Lucy só pensava em sair
daquele lugar chato com pessoas sem graça, escondendo o mínimo de tesão que
possuíam. Para que as horas passassem mais depressa, descobriu uma maneira
prazerosa e divertida: a espionagem. Começou observar as pessoas, mas
principalmente a forma como estas se olhavam.
Decidiu que procuraria os
desejos, as sensualidades e os flertes. Escolheu como fosse uma categoria.
Tomou uma habilidade instantânea e surpreendente. Sempre gostou de observar,
mas naquele momento estava tomando essa atividade quase como um trabalho.
Sentia-se uma espécie de detetive do desejo.
Primeira vítima: um rapaz,
jovem, aparentando ser estudante universitário – por sua cara de
“universiotário’, pensava ela rindo -, querendo parecer sério e inteligente,
com uma calça de um jeans claro e camiseta branca sem estampa, um cabelo que
parecia ter sido cortado á pouco tempo e um rosto quase infantil, a não ser
pela barba tosca e mal feita, mas no seu olhar percorria a malícia. Quase
sútil, mas não para Lucy. Seguiu seu olhar e descobriu uma jovem, magra e
loira. Típica “menina Barbie”, de olhos claros, maquiagem carregada para esconder
sua pouca idade, querendo parecer uma mulher adulta e decidida, embora seu
jeito mostrasse uma débil e frágil ninfeta. O jovem
segurava-se no pudor comum, na vergonha por desejar, mas não conseguia tirar os
olhos da moça.
A cada jogada de cabelos da
moça, os suspiros do rapaz aumentavam seu volume. Como se fosse de propósito,
buscando uma maneira ingênua de chamar atenção da radiante menina. Ao descer, a
bela lançou um olhar para o estudante assustado que ao invés de segui-la sem se
preocupar se aquele era ou não seu ponto, a seguiu somente com os olhos até o
ônibus partir. Ficou ali, com a cara colada no vidro na esperança que ela
talvez acenasse ou mandasse um beijo. Lucy achou ridícula aquela performance de
adolescente na puberdade e concluiu o quanto era patética as tentativas de “se
dar bem” sem ao menos correr atrás disso.
Aquela cena havia passado,
com o mais terrível dos finais. Decidiu buscar outras histórias e personagens.
Levando os olhos de um lado a outro, parou em um casal. Aparentemente
apaixonados, não fosse as horas de silêncio onde cada um fitava coisas
distintas. Como se procurassem algum motivo para estarem ali, para estarem
juntos rodopiavam seus olhos por tudo, dentro e fora do ônibus. Mesmo de mãos
dadas, seus pensamentos não estavam juntos.
Lucy teve a certeza de que
aquele casal seguia a risca o papel típico de novela das nove quando conseguiu
ouvir um dos poucos diálogos entre eles. Ela falava da amiga que comprara
roupas em uma promoção, enquanto ele falava no carro que pensava em comprar
para ambos passearem na praia em um feriado qualquer. Riam de besteiras tão
infames quanto os quadros do programa Zorra Total. Lucy se corroía por dentro e
tinha vontade de se levantar e cortar aquela cena tão pequena. Queria acabar
com aquela farsa!
Quase desistiu de continuar
a olhar aquele casal beirando a depressão, mas antes que buscasse outra vítima,
viu o olhar da “namorada perfeita” se lançar diversas vezes para frente. Não
procurando algo, mas observando um alvo já existente. Lucy seguiu o olhar
acanhado da moça e se deparou com o olhar do franzino cobrador. Um tipo sedutor,
com cabelos ensebados de um gel vagabundo. Não era nem muito bonito nem muito
feio. Não era o tipo que a atraía, mas Lucy sabia que se o encontrasse em uma
festa não veria problemas em sair com ele. Enquanto o namorado olhava animado
para o lado de fora da janela, cobiçando os carros que passavam, sua amada
fitava cada vez mais indecentemente o cobrador.
Tudo ficou ainda mais
excitante para Lucy quando o cobrador iniciou uma série de sinais para a moça.
Piscava olho, lançava sorrisos, olhava fixamente sem ao menos verificar se o
tapado estava olhando. Lucy que a pouco via aquela mulher como a mocinha idiota
da novela das nove, agora percebia que aquela não escondia seus desejos, que
ardia em chamas. Sentiu-se aliviada por ter subestimado o par. Ao menos ela se
salvara. Decidiu deixar que a moça e o cobrador se divertisse ás custas do
“futuro motorista”.
Já era hora de Lucy descer e
ao se levantar para dar sinal trombou com um grisalho alto, robusto e risonho.
Ao desculpar-se, Lucy lançou um olhar e um sorriso de malicia, deixando
aparente seu interesse. Ao notar a reciprocidade do interesse, o homem fez um
sinal para que Lucy tomasse sua frente, e em um gesto sutil tocou suas costas,
na altura da cintura. Desceram juntos, mas aquele não era o ponto dele.